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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Entrevista com seu humilde blogueiro!

Nathalia Mendonça, dona do blog Claquete Rosa, divulgou uma entrevista com este seu aspirante a escritor. Muito agradecido que fico a ela!
Para quem quiser ver, eis a página: Em ascensão: Rogério Silva

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Conto: “Há males que vêm para o bem” (um conto diferente do que costumo escrever...)

Venho do verde mais belo,
Do mais dourado amarelo,
Do azul mais cheio de luz,
Cheio de estrelas prateadas
Que se ajoelham deslumbradas,
Fazendo o sinal da Cruz!
Canção do Expedicionário – Guilherme de Almeida

— Fidi, abai... — pá! O estampido seco do tiro interrompe o grito. Sinto um baque na cabeça, o suficiente para me desequilibrar; enquanto caio, os ecos se juntam à reverberação do som do primeiro disparo, como grasnados de corvos do além.
Fico parado, tentando respirar o mínimo possível, mesmo com esse maldito frio. Minha mãe sempre sonhou em conhecer a terra dos nossos antepassados, a bela Itália, e aqui estou eu, passando fome, frio, sede, matando outros, e escapando da morte todos os dias! Mas, desta vez, acho que não vai dar... Sinto a dor e ardência de um ferimento na cabeça, o sangue escorrendo, mas é melhor não me mexer. Não posso deixar que esse puto nazifascista saiba que ainda estou vivo: ele não vai errar o próximo.
Pá..uá..uá... os corvos lúgubres se fazem ouvir novamente, e um impacto no meu ombro direito. Tento não me mexer. Os colegas da companhia gritam, apontando para o alto de uma torre. Tomam posições, fuzilando-a, enquanto dois me arrastam para um lugar seguro. Ouço gritos de “médico”, e de “acabem com esse nazista de mer...” Desmaio.
Acordo numa cama, num quarto. Ao meu lado, uma jovem linda, estrangeira. Lembra um pouco a Rita Hayworth. O Sargento Gama, Subcomandante do Pelotão, está junto. Ele pega o meu braço esquerdo, solta uma pá de palavrões, e diz que está feliz por me ver vivo. Afinal, como ficariam sem um dos melhores intérpretes na Itália?
Eu não era o único do pelotão que falava bem italiano. E naquele momento, não me lembrava por que me chamavam de Fidi. Fidi? Espere aí: meu nome é Paulo! Paulo Moreira Cellotti. Meu pai me ensinou a falar italiano, que aprendeu com meu avô, um “verdadeiro carcamano”, como se referia a si mesmo.
Sim, Fidi! É porque eu vivia dizendo que era filho de dono de posto de gasolina. Filho de dono, Fididono... Fidi. E meu pai ficou sabendo do apelido no mesmo dia em que soube que eu embarcaria para a Europa.
— Que presente do Dia dos Pais você me dá, hein? Eu falei para não ser militar — disse ele, chorando e me abraçando, como se fosse a última vez que me visse. No dia do embarque, não conseguiu ir: sentiu-se mal, chorou, pediu que eu não fosse. Falei com ele que, se me tornasse desertor, seria fuzilado; na guerra, pelo menos teria uma chance de voltar. Ali, não.
— Fidi... — diz a moça, linda. Olhos penetrantes. Decote que me leva à loucura, já há tanto tempo sem ver mulher...
— Paulo — e a conversa continuou em italiano —, meu nome é Paulo.
Ela me pergunta por que estou no país dela. Eu pergunto a ela qual a data, e onde estamos. 18 de setembro de 1944. Massarosa. A cidade acabou de ser libertada pelas tropas americanas e brasileiras. Sento-me para comemorar, mas o mundo todo gira, e eu apago.
Abro os olhos, e há uma penumbra; horas se passaram. Deve ser o anoitecer. Nada de luzes à noite, na guerra. A aviação ataca.
Ela continua lá, e se levanta ao me ver despertar. Diz-me que se chama Maria Castelli... e tem os olhos mais lindos, verdes e expressivos que já vi. Que mulher linda, que olhos, que corpo, que mãos macias, que tocam a minha fronte. Minha cabeça... meu ombro... estão enfaixados, e eu tateio os curativos com a mão esquerda. A ponta dos meus dedos toca a mão de Maria, que me olha e sorri. Passos no corredor fazem com que ela se esquive rapidamente de volta à cadeira, com um olhar sério.
— Tenente Paulo, o Capitão quer ver o senhor — diz o Sargento Gama. O Capitão entra, e me diz que estamos obtendo importantes vitórias, e que a Linha Gótica cairá. Os americanos reconhecem-nos como valorosos combatentes, e os olhos de Maria são lindos. Maria Castelli é a minha paixão, e se os alemães e italianos continuarem a nos combater, eles vão ver que o meu amor por Maria é muito grande. Além disso, a Segunda Companhia partirá para Camaione, onde Maria não está, e eu não poderei mais viver sem ela. É necessário assegurar a ponte para que as tropas possam penetrar e conquistar o coração de Maria Castelli.
— Entendido, Tenente?
— Positivo, Capitão!
O Capitão se retira. Graças a Deus, porque eu não entendi nada do que ele falou. Maria tomou meu pensamento completamente. Eu tento me levantar, e lá vem a maldita tonteira de novo. Não quero desmaiar. Não de novo. Maria já está ao meu lado, me amparando. Bolas pretas explodindo à minha frente. Tudo escurece.
Acordo de manhã, e Maria continua sentada na poltrona do canto do quarto, dormindo. Tento não fazer barulho, e lentamente elevo meu próprio nível, dobrando o travesseiro ao meio. Fico irado comigo mesmo, porque ela acorda e vem me dizer bom dia, com a voz mais linda que já ouvi.
— Vim porque vocês precisavam —, eu digo.
— O quê?
— Você me perguntou por que vim para o seu país. Vim porque precisavam.
— Você é um herói! Por sua causa, descobriram o atirador na torre da igreja.
— Eu? Herói? Fui atingido, e estou aqui preso nessa cama, enquanto meu pelotão está indo para o combate. Preciso me levantar!
— Você não vai a lugar nenhum. Um general esteve aqui enquanto você dormia, e mandou que você ficasse na cama até estar bom para andar de novo. E eu sei que você está muito fraco.
Maria tinha razão. Eu não tinha comido nada. E minha bexiga estava quase estourando! Pedi a ela que me deixasse usar um penico. Ela o puxou debaixo da cama, e mo entregou. Tentei me sentar, e a tonteira insistiu em me fazer deitar. Maria me ajudou, me dizendo para não ter vergonha. Eu nunca tinha tido um momento tão íntimo — e desastrosamente vergonhoso — com uma moça de família assim.
Ela viu quão envergonhado fiquei. Cabisbaixo, não tinha ânimo para admirar aqueles olhos lindos, aquele rosto de obra de arte, aquele corpo escultural. Ah, o sangue latino...
— Não fique assim, vita mia.
“Minha vida”? Olhei para Maria imediatamente, com sinal de espanto. Ela continuava parada, à minha frente, com um sorriso de desmontar qualquer coração blindado. Envolveu-me com o braço direito, enquanto acariciava meu rosto com a suave mão esquerda. Beijamo-nos longamente, até começarmos a ficar ofegantes.
— Você precisa comer. Já volto — ela se desvencilhou do meu abraço com uma facilidade tão grande, que fiquei espantado. Minutos depois, voltou com um prato fumegante de sopa de batatas e um pedaço de pão, desculpando-se por só ter aquilo para comer.
Até sentir o aroma da sopa, eu não estava com fome. No entanto, a reação do meu corpo à sua leve inspiração foi um ronco de fome tão alto, que Maria riu. Comi a sopa com sofreguidão, intercalando-a com o pão, e mal consegui evitar o arroto de satisfação por encher a barriga.
Pergunto a Maria onde estão minhas coisas, e ela me aponta o outro canto do quarto, oposto à poltrona. Levanto-me vagarosamente, agora já melhor, e pego na minha mochila uma caixinha de cartolina. Ração “K”, como era conhecida. Pego a barra de chocolate, abro-a e a divido com ela.
Ao ver o que recebeu, Maria abre um sorriso, e os olhos brilham ainda mais! Há muito não via uma barra de chocolate. Ela a guarda no bolso do avental branco que usava por cima do vestido azul de chita.
— Não vai comer — pergunto-lhe, com um quê de perplexidade. Ela me responde que vai guardá-la para reparti-la com sua família, quando chegarem do mercado.
Se a guerra já não tivesse me testado, eu choraria com aquilo. Mas não. Voltei à caixinha da ração K e peguei mais umas balas, e as entreguei à Maria. Ela pulou no meu pescoço, e ambos caímos na cama.
Grazie, grazie, vita mia — ela repetia, entre vários beijos curtos. O fato de tê-la sobre mim me deixou excitado. E eu fiquei um tanto sem graça. Ela percebeu ambas as coisas, e se sentou sobre a minha virilha, sorrindo.
Desabotoou minha camisa, e viu os pelos do meu peito, elogiando-me, dizendo que eu era muito másculo. Abaixou-se e me beijou longamente, e começamos a ficar ofegantes e cada vez mais excitados. Não demorou para que estivéssemos nus, mas eu pedi que ela se deitasse ao meu lado, aninhando a cabecinha no meu peito.
Cosa... — ela me pergunta, sem entender. Eu lhe digo que estamos muito excitados e vamos acabar fazendo algo de que poderemos nos arrepender. Peço a ela que me diga com calma se quer mesmo fazer amor comigo. Ela ri e me diz que eu sou um anjo, o homem da vida dela. Já me conhecia, pois tinha me visto num sonho. Eu a abraço fortemente.
Fizemos amor durante toda a manhã, sem culpa, sem preocupação, sem guerra, sem países, sem inimigos, nem aliados. Só nós. Só nosso amor. Já não era mais paixão, eu não era simplesmente um rapaz apaixonado. Eu estava amando, e era correspondido. E o sangue virginal de Maria no lençol era prova disso: ela havia se guardado para mim!
A única maneira de tomarmos um banho era do lado de fora da casa, num biombo de madeira, que parecia pronto para cair com o primeiro vento. Por sorte, a casa era isolada, pois ficava no alto de um pequeno monte e tinha visada para todas as estradas que passavam pela cidade. Tinha sido escolhida justamente pelo ponto estratégico que era.
Maria me deu um gostoso banho, o primeiro de muitos. Eu nunca tinha feito amor ao ar livre, num dia ensolarado, ainda mais numa bela região da Toscana. Se não fosse a guerra, jamais teria conhecido meu anjo toscano, minha bela italiana, minha Maria Castelli! Ah, realmente, há males que vêm para o bem.
E assim vivi por um mês, até que o ferimento do ombro sarasse por completo. A família de Maria me “adotou”, e, para meu espanto, permitiu que dormíssemos no mesmo quarto. Apesar de muito católicos, a guerra lhes tinha dado uma visão diferente de vida. E sabiam que eu era a chance de Maria sair daquele lugar.
Recebi autorização para voltar ao Brasil e me casar com Maria. Chegamos em novembro, casamo-nos, e eu saí do Exército. Fui trabalhar com meu pai, e assumi o posto de gasolina. A guerra acabou.
Era o meio de dezembro, e Maria começou a sentir muitos enjoos. Aprendia o idioma rapidamente, e se virava muito bem, minha bela donna. Voltou do médico radiante: estava grávida!
Entro em casa, cansado do trabalho, e encontro Maria de camisola sensual, com a mesa posta, um jantar onde tudo era gostoso. Inclusive ela, claro. Apesar de nosso casamento não ser rotina, aquilo me espanta. Pergunto-lhe se está bem, e ela me abraça, dizendo “estou grávida, vita mia”! Se o nosso amor já era gostoso, naquela noite, foi especial. Éramos uma família, e logo teríamos mais um Castelli Cellotti andando pela casa.
No dia seguinte, entro pela porta do escritório do posto, e meu pai já está lá. Ele me olha de cara feia, se levanta e vem me dar o sermão padrão sobre o atraso. Sempre as mesmas frases: “como é que pode”; “você vai ser o dono disso aqui”; “que militar é esse que não dá exemplo”; “a guerra não te ensinou nada”...
Calaboca, velho! Senta o rabo aí; tu vai ser nonno!
Empalidece. Engasga, tosse, ri, engasga de novo, fica vermelho, se abana, tosse, ri, se senta, torna a se levantar, e me abraça.
— Eu te amo, meu filho! A Maria — exclama — A Maria, ela tá bem — pergunta, com uma cara de preocupação que me faz pensar que ele é o pai e o avô sou eu.
— A Maria tá ótima, pai.
Os meses passam, os enjoos, também. Enxoval de bebê, cursos de batismo, barriga crescendo, mudanças de humor, Maria se achando horrorosa, eu lhe dizendo que está cada vez mais charmosa. Ela quer brigar, e eu me aguento, porque sei que não é ela. “Hormônios”, o médico disse. Fazem isso.
Meio-dia de 11 de agosto de 1945. Sábado. Maria me chama. Sente dor. Diz que está na hora. Telefono para o meu pai, pego a mala. Maria, por incrível que pareça, calma. Uma italiana... calma!
Entro no carro, esqueço de abrir a porta para ela, saio do carro, abro a porta, dou partida, “esqueci a mala”, desligo o carro, subo as escadas, pego a droga da mala, desço, entro no carro, dou partida, corro para o hospital.
Vinte e duas horas de trabalho de parto. Às dez e quatro da manhã, minha filha nasce. Sou pai. Sou casado com a mulher mais adorável que já conheci, a que me deu a vida duas vezes. É domingo.
Maria volta para o quarto. Logo Gina é trazida para mamar pela primeira vez. A mágica da vida, o fruto de um amor que nasceu na guerra.
— Feliz Dia dos Pais, vita mia.
— O quê?
— Dia dos Pais. É hoje. Gina é meu presente para você.
— Maria Castelli Cellotti, eu te amo! Te amo muito!

Venho da minha Maria
Cujo nome principia
Na palma da minha mão,


Canção do Expedicionário – Guilherme de Almeida